Tribunais, liminares e a inexistência da Lei da Ficha Limpa

Por: Fahad Mohammed Aljarboua

A Lei Complementar n.º 135, mais conhecida como Lei da Ficha Limpa, entrou no ordenamento jurídico através de um projeto de lei de iniciativa popular – isso porque, a depender do nosso Congresso Nacional, ela nunca viraria realidade. O anseio popular era de que políticos envolvidos em casos de corrupção fossem extirpados da política, pelo menos aqueles que tivessem os escândalos transformados em processo judicial.

Em síntese, a Lei criou um mecanismo – hoje com constitucionalidade declarada pelo Supremo Tribunal Federal – que tira a elegibilidade daqueles que tiverem determinados tipos de condenação por órgão jurisdicional colegiado. O debate naquela Corte Superiora, em sede de Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ação Direta de Inconstitucionalidade em julgamento conjunto, sete dos onze ministros votaram pela aplicação integral da Lei da Ficha Limpa. Aqui, destaque-se que a instância última de nosso Poder Judiciário, por maioria de seus membros, entendeu que a lei obedece em sua integralidade os requisitos formais e materiais de constitucionalidade.

À época professor e hoje ministro do STF, Luís Roberto Barroso declarou: “Formou-se uma maioria categórica. Foram sete votos a favor. A Ficha Limpa resultou de uma iniciativa popular e foi aprovada com unanimidade na Câmara e no Senado, e depois sancionada pelo presidente. De modo que seria um excesso o Supremo se sobrepor a todos esses agentes políticos eleitos”.

No entanto, um fenômeno curioso tem se reproduzido: Tribunais Superiores desde 2012 tem concedido medidas cautelares permitindo que mesmo aqueles condenados por órgão colegiado, na hipótese em que ainda não houve trânsito em julgado da condenação, venha a ser candidatos. O primeiro caso encontrado foi ainda em 2012, quando o STJ concedeu medida liminar para que o então prefeito de Guaxupé (MG), Roberto Luciano Vieira (PT), fosse candidato à reeleição mesmo quando já existia uma condenação do Tribunal de Justiça de Minas Gerais suspendendo os direitos políticos do mesmo.

Há de se observar que a condenação por órgão colegiado, nas hipóteses tratadas pela Lei Complementar n.º 135, deve implicar na inelegibilidade do candidato. Um juízo que concede liminar suspendendo efeitos de uma decisão objeto de recurso, a fim de permitir que um candidato possa participar de uma eleição está indo em desacordo aquilo que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal em 16 de Janeiro de 2012.

No voto do relator, ministro Luiz Fux, que foi acompanhado pela maioria, interessa ao debate proposto o seguinte trecho: “Questiona-se, então: é razoável a expectativa de candidatura de um indivíduo já condenado por decisão colegiada? A resposta há de ser negativa. Da exigência constitucional de moralidade para o exercício de mandatos eletivos (art. 14, § 9º) se há de inferir que uma condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da competência de foro por prerrogativa de função, a rejeição de contas públicas, a perda de cargo público ou o impedimento do exercício de profissão por violação de dever éticoprofissional excluirão a razoabilidade da expectativa. A rigor, há de se inverter a avaliação: é razoável entender que um indivíduo que se enquadre em tais hipóteses qualificadas não esteja, a priori, apto a exercer mandato eletivo”.

Mais adiante, no mesmo voto, o ministro Fux trata da presunção de inocência e diz que “a presunção de inocência, sempre tida como absoluta, pode e deve ser relativizada para fins eleitorais ante requisitos qualificados como os exigidos pela Lei Complementar n.º 135/10”. O mesmo entendimento foi acompanhado pela maioria dos ministros daquela Corte.

É preciso destacar que o Supremo Tribunal Federal é o tribunal competente para resolver questões que dizem respeito ao controle de constitucionalidade concentrado (ou abstrato) e, no caso da Lei da Ficha Limpa, já se manifestou aquela Corte pela sua constitucionalidade, conforme já exposto no presente esboço.

Se, de acordo com uma decisão do Supremo Tribunal Federal, o entendimento é de que é razoável entender que alguém que se enquadre nas situações qualificadas pela LC n.º 135 deve ser considerado, a priori, inapto para o exercício de mandato eletivo. Mais que isso, que tal indivíduo se enquadra em situação de inelegibilidade, estando, por força de lei, impedido de disputar o pleito, como podem Tribunais concederem liminares suspendendo os efeitos daquela decisão colegiada – sim! Aquela atacada pela Lei da Ficha Limpa – e permitindo o registro de candidaturas de tais indivíduos?

Se não estão, estes tribunais, descumprindo a decisão da Corte Constitucional, no mínimo estão ignorando o disposto por uma lei em vigor e sobre a qual não pesa qualquer dúvida de validade. Mais que isso, estão estes tribunais se sobrepondo à população que mobilizou-se para que o projeto de lei fosse apresentado ao Congresso Nacional; ao próprio Congresso Nacional que, tanto na Câmara quanto no Senado, aprovou à unanimidade a referida lei; e também ao Presidente da República que a sancionou.

Para encerrar, em outras palavras, a população clamou por uma dispositivo legal que retirasse do quadro político aqueles que usassem de seus mandatos ou funções públicas para fins escusos, o Congresso Nacional, eleito pela maioria da população brasileira, reconheceu a mesma necessidade de forma unânime, o Presidente da República sancionou a LC n.º 135/10 e o Supremo Tribunal Federal entendeu, por maioria de seus membros, que o referido dispositivo está em conformidade com a ordem constitucional vigente. Ainda assim, alguns advogados – possivelmente no interesse de seus clientes – têm buscado liminares com vistas a, na prática, suspender os efeitos da LC n.º 135/10, e o Tribunal Superior Eleitoral e o Superior Tribunal de Justiça têm, mesmo em conflito com o decidido pelo STF, concedido tais liminares.

A pergunta que fica é: se tais práticas estão sendo adotadas e aplicadas, mais que isso, se tais práticas têm produzido efeitos concretos em detrimento da Lei da Ficha Limpa, de que valeu todo o processo legislativo e judicial percorrido pela mesma para passar a ter validade? O que parece é que, mais uma vez, foi uma daquelas coisas feitas “para inglês ver”.

Postado por: Jean Souza / Fahad Mohammed Aljarboua

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