Paulo Henrique Amorim entrevista Juiz de Currais Novos

O Jornalista Paulo Henrique Amorim entrevistou nessa quarta-feira (31), por telefone, o juiz da comarca de Currais Novos (RN), Marcus Vinícius Pereira Jr. A entrevista se deu em relação ao bloqueio da publicidade do governo do Estado.

Paulo Henrique Amorim é apresentador da Rede Record e publicou a entrevista em seu blog, ConversaAfiada.com.br.

Confira a entrevista na íntegra:

1 – PHA: Dr. Marcus Vinícius, o senhor poderia justificar, do ponto de vista da lei, a sua decisão?

Marcus Vinícius: Sim, Paulo, na verdade existe uma grande demanda de saúde na comarca em que eu trabalho, numa cidade de interior, no Estado do Rio Grande do Norte.

E o Estado não vem correspondendo aos anseios da população no que se refere à prestação do direito à saúde.

Existem várias pessoas com problemas de câncer, problemas ortopédicos.

Essas pessoas ajuízam ações judiciais, e o Estado termina – mesmo no final dos prazos de 70, de 90 dias – não garantindo à população o acesso à saúde.

Inclusive, em uma Ação Civil Pública ajuizada aqui, em Currais Novos, foi constatado que a UTI do Hospital Regional não estava funcionando por falta de pagamento aos médicos contratados.

Em razão disso, analisando a prioridade orçamentária, nós constatamos que o Estado do Rio Grande do Norte vem gastando muito dinheiro com a publicidade institucional. E, por outro lado, ele não tem garantido o acesso à Saúde.

Então, foi determinado, com base no artigo 461, paragrafo 5º, do Código de Processo Civil, que o Estado suspendesse os gastos com propaganda institucional, até que  possa garantir o acesso à Saúde, nesse caso específico.

Tão logo o Estado garanta o direito à saúde, normalmente, seriam liberados esses recursos destinados a propaganda institucional.

2 – PHA: O senhor poderia dizer o que está previsto neste artigo 461, paragrafo 5º, do Código de Processo Civil?

Marcus Vinícius: O artigo 461, paragrafo 5º, do Código de Processo Civil diz que o juiz pode tomar as medidas que forem necessárias para garantir a tutela específica, e garantir que o direito pleiteado seja conquistado.

Por exemplo, nesse caso de tutela de Saúde, dessa decisão de ontem – que foi o grande estopim de toda essa situação – é o de uma senhora que necessitava de uma cirurgia em função de um câncer.

Ela precisava realizar a drenagem de um tumor no abdome para poder dar início a um processo de quimioterapia, e o Estado, mesmo intimado, normalmente não garante esse acesso à saúde.

Então, o Código de Processo Civil possibilita ao Juiz tomar medidas como essa.

No caso, a suspensão de recursos para o pagamento de propaganda institucional, para que, nesse caso especifico, ele forneça o serviço.

A ideia é que, se o Estado não tem os recursos – como muitas vezes alega – para garantir o direito à saúde, ele não pode utilizar recursos – também públicos – com o custeio de propaganda institucional.

Apresenta-se como algo muito contraditório uma pessoa, por exemplo, essa senhora, que está com câncer, necessitando de uma cirurgia, não ter acesso à saúde enquanto ela vê, em sua residência, a exibição de uma propaganda institucional dizendo que o Estado do Rio Grande do Norte está em ótimas condições, sendo que isso, infelizmente, não corresponde à verdade.

3 – PHA: O senhor tem uma ideia do valor desses recursos pagos pelo Estado a Inter TV Cabugi; TV Ponta Negra; TV Bandeirantes Natal; TV Tropical e etc?

Marcus Vinícius: Como fundamentação da decisão, foi usado um relatório do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, analisando as contas de 2011 – que tem se repetido nos anos seguintes. Nesse relatório se chegou à conclusão de que o Estado gastou no ano R$ 11 milhões com Saúde e, por outro lado, gastou R$ 16 milhões em propaganda institucional.

A análise do Judiciário é que tem que ser dada prioridade a esse anseio da população, que é o direito à Saúde. Considerando esse parâmetro, foi determinada suspensão – até para que se verifique melhor o que exatamente está sendo contratado com essas empresas.

No decorrer do processo, cada uma dessas empresas vão ter que informar ao Judiciário quanto está sendo aplicado, e após toda essa documentação ser juntada no processo, será proferido um julgamento final.

4 – PHA: Quando terminará essa questão? Ou seja, quando o senhor vai considerar que o dever do Estado foi cumprido ?

Marcus Vinícius: O Judiciário trabalha de acordo com as demandas. Foi concedido à governadora do Estado do Rio Grande do Norte (Rosalba Ciarlini Rosado, do DEM) o prazo de cinco dias para ela indicar a data, o local e a equipe destinada à realização dessa cirurgia.

Agora, da mesma forma que essa cidadã está precisando de uma cirurgia, aqui na comarca de Currais Novos nós temos outros 40 processos na mesma situação.

Normalmente o que ocorreria? O Judiciário acaba fazendo o bloqueio dos recursos públicos e pagando o serviço na rede privada, o que representa sempre um prejuízo muito grande para o Estado, e, diga-se, para população. Uma vez que o valor pago pelo SUS – se nós tivéssemos uma gestão adequada dos recursos de saúde no Estado do Rio Grande do Norte – é um valor muito menor do que o pago na rede privada.

Então, a população é penalizada em dois momentos: ela paga mais caro depois de já ter passado um grande tempo de angustia, já que os nossos hospitais aqui, infelizmente, estão cheios; e paga mais caro ainda, porque esses procedimentos acabam sendo feitos na rede privada.

Para a resolução dessa questão, o Estado do Rio Grande do Norte poderia disponibilizar esse tratamento à Saúde e, no momento em que fosse verificada a disponibilização, automaticamente, esse bloqueio aos recursos destinados à propaganda institucional seria finalizado.

5 – PHA: O senhor não teme ser crucificado por esses veículos de comunicação?

Marcus Vinícius: Bom, isso é uma possibilidade. Mas, o juiz, diante da sua independência, ele tem que trabalhar para honrar os preceitos presentes na Constituição Federal.

E o direito à saúde está acima do direito de fazer propaganda institucional.

Então, no caso concreto, posto em julgamento aqui em Currais Novos, é uma questão de Justiça – mesmo sabendo dessa possibilidade de crucificação pelos meios de comunicação: garantir que o povo tenha acesso aos recursos destinados ao povo.

A medida extrema foi essa, destacando que, antes dessa, várias outras medidas foram tomadas. Nós tentamos por diversas formas garantir que o Estado garantisse o direito à Saúde.

Lembrando que, essas são apenas as pessoas que tem acesso ao Judiciário. Muitas das pessoas não tem sequer acesso ao Judiciário.

Aqui na cidade de Currais Novos nós estamos passando por um caos na saúde. Por diversas vezes, foram fixadas placas na frente do hospital anunciando que a emergência estava fechada por falta de médicos plantonistas.

Logo que as medidas foram sendo tomadas pelo Judiciário e pelo Ministério Público, o quadro começou a mudar.

6 – PHA: O senhor se baseou em algum precedente, em alguma decisão anterior, ou o senhor tomou uma decisão pioneira?

Marcus Vinícius: Eu de fato não conheço nenhuma decisão nesse sentido. Mas tomei a decisão com a esperança de que, de fato, o poder Judiciário haja com independência e possa garantir o direito à Saúde para a população.

Eu não estou confortável em uma ação como essa. O que eu queria é que a população tivesse acesso aos serviços de Saúde e que não existisse esse tipo de demanda. Mas, como não existe, o Judiciário tem que enfrentar (o problema) mesmo que tomando medidas como essa.

Vamos aguardar o que os tribunais superiores dirão, inclusive o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, acerca da aplicabilidade dessa medida.

7 – PHA:  A governadora já recorreu?

Marcus Vinícius: Não, não existe nenhum recurso. A medida foi tomada ontem, as pessoas ainda estão sendo notificadas.

Mas, o que eu posso garantir é que essa decisão já está sendo cumprida. Os órgãos de comunicação que receberam (a notificação) já não estão mais exibindo essa propaganda institucional.

A ideia do Judiciário é que esses recursos para propaganda sejam liberados tão logo o Estado garanta o direito à saúde aos cidadãos aqui de Currais Novos.

8 – PHA: A quanto tempo o senhor está a frente dessa vara de Currais Novos?

Marcus Vinícius: Eu sou magistrado no Rio Grande do Norte há nove anos, e estou a frente dessa comarca de Currais Novos há aproximadamente três anos. É uma comarca bastante complicada, onde nós temos mais de 5 mil processos, não temos sequer um assessor para garantir uma tramitação maior desses processos, mas o Tribunal vem trabalhando para garantir uma tramitação mais rápida dos processos.

O juiz tem que estar pronto para a qualquer momento garantir essa tutela jurisdicional. Garantir a população uma decisão, mas não apenas uma decisão, mas uma decisão efetiva.

Porque de nada adianta para população que um juiz declare um direito se ele não aplica uma medida que faça esse direito de fato chegar ao cidadão. A nossa grande preocupação é exatamente essa, de não só declarar direitos, mas de fazer com que esses direitos sejam de fato concretizados.

CLIQUE AQUI E OUÇA O ÁUDIO.

Postado por: Jean Souza

Últimos Eventos

21/09/2019
São Vicente/RN
03/03/19
Master Leite
06/05/18
Parque Dinissauros - Povoado Sto Antonio (Cobra)
Março 2017
Aero Clube

Mais eventos

Jornal Expresso RN

Baixar edições anteriores

Curta Jean Souza no Facebook

Siga Jean Souza no Instagram

Empresas filiadas

Banners Parceiros

Design por: John Carlos
Programação por: Caio Vidal
© 2021 Direitos Reservados - Jean Souza