“Um ou dois meses não bastam para acabar com crise prisional”, diz coronel

Coronel Humberto Viana.

A entrada da Polícia Militar no presídio de Alcaçuz (RN) no final da tarde de ontem quinta (19) não deve ser vista como o fim da tensão tanto do sistema penitenciário quanto da própria unidade, que ficou divida entre duas facções por quase uma semana.

Essa é a avaliação do coronel Humberto Viana, um dos fundadores do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e atual conselheiro do órgão.

Ex-secretário de administração penitenciária de Pernambuco, Viana defende que a polícia assuma a manutenção da ordem dentro do presídio como prioridade.

“Uma ação de um ou dois meses não vai garantir a normalidade”, diz ele.

Folha – A Polícia Militar entrou nesta quinta no presídio de Alcaçuz. Qual deve ser a estratégia agora? A polícia deve permanecer por quanto tempo?
Humberto Viana – Para manter a ordem, não pode marcar tempo. Entendo que passar 30 dias fazendo varreduras, reconstruindo, não significará a calmaria. No Rio Grande do Norte estão fazendo rebelião com a polícia na porta, não estão respeitando. Sou humanista, não quero violência, mas é necessário impor regras. Uma ação de um ou dois meses não vai garantir a normalidade. Tem de ficar quanto for necessário.

Isso é possível?

Entrar em presídio é um terror para o comandante de polícia. Eles não querem ficar lá por tempo indeterminado. Mas, para se criar condições, leva tempo. O sistema penitenciário está desamparado há 30 anos e o que se fez foi remendos. Então, nesse momento, o governo tem de ter a decisão política de manter ordem. A partir daí, estabelecer uma rotina. Imaginar que vai criar tudo ao mesmo tempo, vagas, contratar funcionários, fiscalização e monitoramento… isso não vai acontecer.

Todos os presos devem ser transferidos ou só parte deles?

Evidentemente que os agentes têm informações de quem lidera, quais são os robôs. Esses internos precisam ser afastados da convivência. Não significa que vai trazer garantia, mas vai diminuir [a tensão]. Essas ações precisam ter continuidade, vamos passar um ano para limpar e distribuir presos por tipificação criminal. O preso de baixa periculosidade tem que estar com outro do mesmo potencial. Aquele que é perigoso tem de estar em presídio de segurança máxima. Mas a retirada de lideranças de presídios não é simples. Podem se amotinar e gerar mais problemas.

Após uma rebelião com 26 mortos, o presídio de Alcaçuz passou quase uma semana amotinado. Qual a complexidade envolvida para retomar o controle?

Não é possível afirmar que tenha uma solução simples. Há uma grande responsabilidade [do Estado] por ter chegado a isso. Se tivessem tomado as providências antes [a situação não estaria assim]. E serve para todos os Estados.

Mas quais são os principais fatores para que essa situação tenha chegado a esse ponto?

O que está acontecendo hoje dentro dos presídios não tem um motivo, é um conjunto. Dois fatores são gravíssimos: a falta de responsabilidade com a geração de vagas, porque não se pode resolver nada sem resolver as vagas. E a necessidade de conter a violência dentro dos presídios, que é a prioridade agora. É o que está apavorando a sociedade, com muitas mortes. Não tem como parar se não tiver providência imediata. As polícias teriam que entrar nos presídios para tentar manter o controle. E isso afeta também o policiamento nas ruas. E nenhum comandante gosta de fazer isso, porque a sociedade reclama, a imprensa vai criticar.
Não é simples, e tem riscos de enfrentamento.

Como articular essas ações para que não haja outros massacres do Carandiru?

Fui policial a vida inteira, não é fácil entrar em presídio rebelado. É necessário coordenar a entrada da Polícia Militar. E o que ocorre nos presídios não aparece como passe de mágica, quem põe tudo lá é quem tem acesso. E quem tem acesso? Policiais, agentes, familiares, advogados, distribuidores de alimentos e por aí vai. Se estão pensando que vão chegar no presídio e tratar na diplomacia, não vai acontecer Tem que botar regra na casa, é limitar acesso de pessoas, manter a polícia permanentemente.

Os presos ficavam soltos, sem celas. Isso é comum?

Posso dizer que é comum, a tranca ser controlada pela figura do [preso] chaveiro, e não tem cadeado. Isso ocorre de duas maneiras. Tem presídios em que há acordo para que não haja rebelião, o que nunca é oficial. É acordo espúrio, [com promessa dos presos de] que não vai ter morte, que não vai fazer visitas de refém. Assim, mantém um presídio muito ruim num acordo nessa ordem. E também há a ausência do Estado, que não dispõe do agente que deveria controlar ala por ala.

Essas teias de corrupção do sistema dificultam ações imediatas, resultando em uma situação como a do Rio Grande do Norte?

Certamente não deixa de ser. É enorme a quantidade de recursos que gira dentro de um presídio, onde tem o tráfico de drogas, a venda de comida, cantinas que ainda existem manipuladas por presos. Tem muito dinheiro. Já achei mais de R$ 100 mil em uma cela em uma vistoria. Não posso tecer comentários mais profundos sem elementos. Mas diante do que se apresenta, da autonomia com que os presos atuam na área interna, não se descarta a corrupção, que não é caso específico de nenhum Estado. E isso dificulta o acesso. Os chefes do tráfico que comandam por telefone têm recursos, e a moeda de troca é o dinheiro, além da violência. A corrupção precisa ser enfrentada. Mas, agora, o foco é a manter a ordem.

O que o sr. acha da atuação das Forças Armadas para essa situação?

O Exército vai entrar em presídio para vistoriar, não quer confronto. E a missão fim não é essa. Mas dizer que, com eles dentro, não há possibilidade de acontecer, não é verdade. É possível, e eles precisam se preparar. Sobre ter militares nas ruas, percebo que as polícias têm resistência, por temerem passar a impressão de que não são capazes de manter a ordem. Mas, na emergência, tem de receber o reforço, o que pode impactar na segurança da população.

 

Folha

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